segunda-feira, 20 de setembro de 2021

sei que posso nunca mais te encontrar

nunca mais perder meus pensamentos

enquanto me perco nos teus

 

sei que posso nunca mais ouvir a tua voz

como um sopro de vida

como a brisa fria da manhã que me afaga

 

sei que posso nunca mais olhar teus olhos

olhar tão de perto que não poderia mais os ver

olhar tão de perto que precisaria

fechar os meus para te ver tão inteira

 

talvez a vida não nos permita se encontrar novamente

e o lirismo sofra mais um duro golpe

como aconteceu em 2016 e em 2018

 

mas como seria bom se assim não fosse

como seria bom se o nosso reencontro

fosse o inicio da revolução

 


20/09/2021

Pablo Vinícius de Oliveira

domingo, 21 de março de 2021

 a palavra falada

bate forte como um touro

indomável, no erro do seu algoz

na brecha do medo

na brecha da segurança

 

a palavra falada é uma criança

cheia de verdades inconvenientes

e difíceis de engolir

 

a palavra falada é urgente

é gigante, bate de frente

derruba quem enfrenta

levanta quem a ouve

 

a palavra falada é o caos

é a ordem dos astros

é tão perigosa quanto

é hoje um ônibus lotado

 

tão perigosa como

a revolta de um povo

 

Pablo Vinícius de Oliveira – 21/03/2021

Alecrim

um ramo de alecrim no chá

um ônibus a atravessar a cidade

ou essa cidade a atravessar meu peito

 

uma bala de hortelã que atravessa

o canteiro da rua 1h da tarde

tudo vai fluindo, ninguém pode parar

 

quando o sinal fecha

se abre onde se cruza

e os olharem se entrelaçam

se perdendo depois na multidão

 

é alegria e alecrim

e a gente vivendo atravessando o caos

 

 

Pablo Vinícius de Oliveira

21/03/2021

Fim

 

tão logo não haverá mais gente

nem vidente, nem servente

nem quem sirva de vítima

nem quem vitimize a dor

 

daqui pra frente não haverá doente

morto em acidente

mente por ter fome

quem fomente ficar

 

não haverá clima

nem rima

nem poeta

 

tão logo tudo lhe será alheio

não haverá vida

só restará dinheiro.

 

Pablo Vinícius de Oliveira

12/03/2021

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

a mente oca um buraco na rua

que não enxerga mais as coisas boas 

nem a vida que passa igual ônibus 

deixando o povo na parada 

abanando a mão como quem dá tchau 

e o mundo batendo na gente 

com galho de urtiga e sal

o presidente diz não posso fazer nada 

o país em brasa está quebrado 

de verme ninguém mais morre 

só de fome sem ar de sangue condensado 

e daí é domingo o vizinho grita gooolll

todo mundo comemora 

enxuga as lágrimas e bota a cara pra fora

está tudo normal onde não devia estar 



Pablo Vinícius de Oliveira

06/02/2021


domingo, 2 de agosto de 2020

o sertão que habita em mim

na pele seca  

nos lábios rachados  

 

o semiárido do meu corpo  

magro, esquio  

a fome, a sede 

o sol escaldante castigando  

a pele, o pelo, a paz 

 

a estiagem carregada  

pela memória fraca  

pelo corpo curvado  

 

a minha boca seca  

do árido sertão  

 

tudo se encheu de inverno  

se desmanchou em água  

e se derramou sobre nossos corpos  

 

como uma nuvem carregada 

de trovoadas, raios e relâmpagos  

e tua luz, e tua energia  

me encheram de vida  

 

como se o sertão fosse 

banhado pelas chuvas 

 

e cada espaço em mim 

foi tomado pela sua água  

como um açude que enche e sangra 

como uma barragem que transborda 

 

 

Pablo Vinícius de Oliveira

11/06/2018

sábado, 7 de abril de 2018

tempos difíceis para minha pátria

o último país a proibir a escravidão
o primeiro a permitir a opressão
e aquele que se incomoda
com a comoção pela morte
da mulher negra favelada

gente que se incomoda
com a futilidade alheia
se ela for pobre, negra
se ela faz mexer a bunda
mas ninguém se aprofunda
nas letras das baladas da moda
com as mulheres desmerecidas
rebaixadas, feito coisas

é fácil dizer “mata todo mundo”
e esconder-se na sonegação
na situação privilegiada
pela falta de direitos dos outros


“vontade de beijar os olhos de minha pátria
de niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...”*

vontade de ama-la

porque são tempos difíceis para minha pátria
desde que ela nasceu...

Pablo Vinícius de Oliveira
29/03/2018

*Trecho: Pátria Minha, Vinicius de Moraes

terça-feira, 13 de março de 2018


aqui não se para nem para dormir
nem ônibus para na parada
nem o peito apara
a queda nem paraquedas
e a chuva o para-brisa não para
nem o para-raio nem coisa nenhuma
aqui nessa cidade ninguém para
nem o mar para
nem o guarda para
nem o porteiro para ninguém
nem é para ninguém essa cidade
só para alguns
que ninguém para
na blitz não para
na faixa ou no sinal
nem o crime para
aqui nessa cidade
só água parada
e nem é para o bem

Pablo Vinícius de Oliveira
02/03/2018